O rei arrependido que inspirou festival medieval oito séculos depois

Há 850 anos, o rei Henrique II era chicoteado nas ruas de Canterbury, na Inglaterra, pelas mãos de monges da igreja católica. E esse evento inspiraria um desfile medieval chamado Canterbury Medieval Pageant, que acontece anualmente no mês de julho nesta charmosa cidade britânica.

Para entender os motivos por trás dessa história, precisamos voltar um pouco no tempo, mais precisamente em 1170, quando Thomas Becket foi assassinado na catedral da Canterbury por quatro cavaleiros que, segundo o pessoal lá da época, agiram sob as ordens do rei Henrique II. Aliás, no tour que fiz pela catedral, vi o local exato em que esse episódio ocorreu.

Quem foi Thomas Becket?

Thomas Becket era filho de um comerciante londrino que se tornou um dos arcebispos mais respeitados, benevolentes e devotos do século XII.

Apesar das diferenças em suas posições sociais, o maior amigo de Thomas era Henrique Plantageneta — que, mais tarde, se tornaria o rei Henrique II da Inglaterra. A dupla caçava e jogava xadrez juntas. E essa amizade levaria o rei Henrique II a proclamar Becket seu chanceler.

Thomas Becket

Henrique II e Thomas Becket: fã ou hater?

Porém, a vida levaria os dois amigos para caminhos muito diferentes. Becket optou por seguir uma vida mais simples, com menos luxo e regalias. Essa mudança espiritual também esbarrou em suas crenças sociais, e ele passou a questionar a posição da monarquia sobre a Igreja. O arcebispo sustentava que o clero estava acima da lei.

O conflito entre eles atingiu o ápice no Castelo de Northampton, em outubro de 1164, quando os apoiadores de Henrique questionaram a lealdade de Thomas, acusando-o de ser um “traidor” e outras palavras bem fortes.  Então, o chanceler achou melhor se exilar na França até as coisas se acalmarem.

O assassinato de Thomas Becket

Depois de seis anos no exílio, Thomas retornou a Canterbury, mas logo em seguida se envolveu em uma grande polêmica. Durante um sermão no dia de Natal de 1170, acredita-se que ele tenha dito aos seus colegas bispos: “Que todos sejam amaldiçoados por Jesus Cristo!”

A fofoca chegou em Henrique II e, descontente com as atitudes do arcebispo, o rei sugeriu que alguém se livrasse dele – quase como se jogasse no ar e esperasse que alguém entendesse a indireta. Veja como o English Heritage, uma instituição responsável por lugares históricos no Reino Unido, relata o que aconteceu. 

“Ao ouvir isso, quatro cavaleiros de sua casa viram uma oportunidade de provar sua lealdade. Eles deixaram a corte em segredo, atravessaram para a Inglaterra e chegaram a Canterbury em 29 de dezembro. Tentaram prender Becket em nome do rei, mas ele se recusou a ir pacificamente. Assim, decidiram fazer a prisão à força ao cair da noite. 

Eles alcançaram o arcebispo enquanto ele entrava na catedral. Becket agarrou-se a uma coluna, a confrontação tornou-se violenta, e os cavaleiros o cortaram com suas espadas. Chocados com o que tinham feito, os quatro fugiram.

O assassinato abalou a todos, especialmente o próprio Henrique. Becket havia sido uma figura controversa em vida, mas na morte foi considerado um mártir pela Igreja.” 

São Thomas Becket e o perdão real

Pouco depois da morte de Becket, milagres foram relatados, e Canterbury se tornou um 

importante centro de peregrinação para aqueles que buscavam curas. Aliás, ele foi canonizado e se tornou Saint Thomas (em português, São Tomás).

A relação de Henrique II com a igreja católica ficou bem estremecida, para dizer o mínimo. Para ficar bem na fita, o rei foi a Canterbury e aceitou pagar uma penitência pelo assassinato, mais precisamente no dia 12 de julho de 1174.

O monarca chegou na cidade, trocou de roupas e andou descalço pelas ruas, onde foi açoitado por monges da igreja católica.

Minha experiência no festival

Para tudo existe uma primeira vez. Por uma questão de segundos, perdi o trem para Canterbury e precisei esperar o seguinte passar. Isso significa que eu me atrasei para o desfile medieval que encena toda essa história que contei acima.

Mas, quando pesquisei sobre o festival, vi que ele terminaria na Catedral de Canterbury. E, para lá, eu e André, meu marido, seguimos, esperançosos de que conseguiríamos ver algum resquício de festival.

Para nossa alegria, pegamos o fim da festa e ainda deu para ver muitas cenas peculiares: pessoas vestidas com trajes medievais que dançaram músicas típicas, bonecos gigantes da monarquia a passar, crianças fantasiadas a correr, um homem equilibrado em pernas de pau, outro com um pato nas mãos, e a própria morte que posava para fotos com os foliões.

Pensei: “Que gente esquisita, por isso me sinto tão bem aqui.” E sorri.

Depois de aproveitar o fim do desfile, encontramos a Elisa, minha amiga lá do Brasil que veio passar uns meses na Inglaterra.

Fomos direto para o Westgate Park onde o festival medieval seguiu com suas tendas e apresentações.

Quando me vi no meio de um gramado verde com música medieval de trilha sonora, cavaleiros de armadura e tendas com espadas e machados, me senti novamente peculiar por achar tudo aquilo tão familiar e gostoso.

Paramos na tenda de bordados onde uma mulher vestida com trajes da época nos mostrou um tecido, de mais ou menos um metro, em que poderíamos bordar o que quiséssemos.

Ela nos explicou uma técnica bem interessante para colocar a linha na agulha e o melhor jeito para fazer os desenhos. Eu, André e Elisa ficamos lá por longos minutos.

Adoro essas experiências em viagens, onde posso me demorar nos momentos. Assim, a minha memória consegue assimilar tudo e fixar melhor os sentimentos.

Me diverti demais sentada ali bordando. Eu e André fizemos um escudo, e a Elisa fez uma bandeira do Brasil.

Na tenda seguinte, uma família inteira de pessoas vestidas com trajes medievais (inclusive um bebê de uns 8 meses) criava cotas de malha.

Mas a atração na qual eu realmente quis dedicar a minha atenção foi a de espadas, machados e arcos medievais. O grupo que expunha ali conhecia bastante da história desse período e nos explicou a diferença entre cada uma das armas que repousavam na mesa de madeira. Gostei da adaga e de uma espada que me lembrou a estética de Narsil, de “O Senhor dos Aneis”.

A garoa começou. Ficamos ali ilhados na tenda medieval por alguns minutos enquanto filmávamos os cavaleiros da tenda oposta, que combinavam muito com o clima daquele momento.

Anota aí

Evento? Canterbury Medieval Pageant 

Quando? Julho

Onde? Canterbury, Inglaterra

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